Coordenador do Ipea projeta que o MEI pode gerar uma necessidade de financiamento de pelo menos R$ 464,7 bilhões, entre 2015 e 2060, no Regime Geral de Previdência
O programa Microempreendedor Individual (MEI) chegou a cerca de 7,7 milhões de inscritos no Brasil em dezembro de 2017, mas com elevada inadimplência. Criada para desburocratizar e estimular a abertura de pequenos negócios, a medida é analisada em nota técnica da Carta de Conjuntura nº 38 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O texto aponta que o MEI irá gerar relevante desequilíbrio fiscal no âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) nas próximas décadas. “Tal desajuste tenderá a ganhar visibilidade apenas quando os beneficiários do MEI passarem a receber benefícios e, principalmente, começarem a se aposentar em escala mais expressiva no futuro, pois é um programa recente, que passou a funcionar de forma efetiva em 2009”, prevê a pesquisa.
Considerando os beneficiários do MEI que fizeram pelo menos uma contribuição em 2014, o estudo estima que o programa pode gerar uma necessidade de financiamento nas contas do RGPS, no período de 2015 a 2060, de R$ 464,7 bilhões a R$ 608 bilhões, dependendo do cenário de salário mínimo considerado (R$ 213 bilhões a R$ 272 bilhões em valor presente). Caso seja também considerado o chamado Plano Simplificado de Previdência Social (PSPS), o desequilíbrio para o período de 2015 a 2060 pode ser ainda mais elevado: R$ 927,5 bilhões a R$ 1,179 trilhão (respectivamente, R$ 467,1 bilhões a R$ 576,6 bilhões em valor presente). A estimativa a partir da expectativa de sobrevida também reforça o impacto significativo nas contas do RGPS.
O autor da nota técnica, Rogério Nagamine, coordenador de Seguridade Social do Ipea, argumenta que programas tão desequilibrados do ponto de vista atuarial deveriam ser efetivamente focalizados nos mais pobres. No entanto, o MEI apresenta inadequada focalização. Ele foi criado por meio da Lei Complementar n° 128/2008, permitindo a inscrição de microempresários individuais com faturamento anual máximo de até R$ 36 mil, posteriormente elevado para R$ 60 mil. Em 2018, o limite de faturamento aumentou para R$ 81 mil/ano.
“Na prática, está se dando o benefício previdenciário quase de graça para trabalhadores que teriam capacidade para contribuir, inclusive, com planos equilibrados do ponto de vista atuarial. Certamente um trabalhador que tem um faturamento de R$ 81 mil/ano teria capacidade para contribuir para a previdência com valor superior a 5% do salário mínimo, bem como se trata de um nível de renda elevado para os padrões de renda brasileiros”, explica Nagamine no estudo. Pela regra atual do MEI, as contribuições são de 5% do salário mínimo.
A nota técnica apresenta diversas simulações de contribuição e aquisição do benefício, revelando que, embora tenha sido criado com a intenção legítima de ampliar a cobertura previdenciária dos trabalhadores por conta própria, o MEI aumenta desequilíbrios fiscais do RGPS e pode não ser tão eficiente do ponto de vista social. Há o risco de migração de empregados com carteira ou do plano completo (com alíquota de 20%) para o MEI. A escolaridade do MEI é mais similar à dos empregados com carteira do que à dos trabalhadores por conta própria que não eram MEI.
Um dos exemplos é o caso de uma mulher que tenha cumprido o mínimo de 15 anos de contribuição e se aposentado pelo MEI aos 60 anos. Ela teria, hoje, uma expectativa de sobrevida de 23,8 anos, ou seja, passaria mais tempo recebendo aposentadoria do que contribuindo. Em valores presentes, ela proporcionaria uma arrecadação de R$ 6,9 mil e teria R$ 135,6 mil de benefício – ou seja, a receita cobriria apenas 5,1% da despesa.
Em que pese as hipóteses simplificadas utilizadas nas estimativas, o ponto central, segundo o autor, é que MEI e PSPS irão gerar desequilíbrios expressivos nas já desajustadas contas do RGPS. O questionamento por conta de possíveis efeitos positivos sobre a formalização não leva em consideração que tal possibilidade também gera alterações no fluxo das despesas e a possível migração de emprego com carteira ou do plano completo (com alíquota de 20%) para MEI, casos em que há perda de arrecadação.
De acordo com o estudo, embora exista o preceito constitucional de que deveriam ser observados critérios capazes de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência, na prática, a referida norma não tem evitado medidas populares no curto prazo e que geram profundos desequilíbrios a médio e longo prazos, com inadequada focalização. Assim, seria importante debater formas de tornar mais efetivo esse preceito constitucional.
Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=32194&catid=3&Itemid=3
Acesse o Sumário da Carta de Conjuntura nº 38:
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