ENTREVISTA CARLOS CARMO ANDRADE MELLES, PRESIDENTE DO SEBRAE NACIONAL

Capacidade dos empreendedores de se reinventar nas crises leva dirigente a manter otimismo quanto à retomada após a pandemia.

Aos 73 anos, o mineiro Carlos Melles, ex-deputado federal pelo DEM e atual presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), afirma nunca ter presenciado uma crise com o alcance e magnitude da atual pandemia da Covid-19. Das 6,5 milhões de empresas classificadas como MPEs, 25% a 30% podem fechar nos próximos meses em decorrência da incapacidade de se manter sem faturamento, algo jamais visto na história do País, segundo ele. “Antes mesmo da crise, identificamos que 25% das empresas já não vinham bem, 50% estavam estáveis”, afirma o executivo, referindo-se a um recente levantamento feito pela entidade com parte de seus associados. Apesar do cenário pouco animador, Melles se diz otimista com a superação da pandemia. “As micro e pequenas estão demonstrando uma incrível capacidade de se adaptar, de se reinventar e até de aumentar suas vendas”, afirma.

 

DINHEIRO – Qual é o impacto da pandemia nos pequenos negócios do País?

CARLOS MELLES – A pandemia do novo coronavírus e as medidas de isolamento determinadas pelas autoridades de saúde causaram um impacto direto sobre a economia e, em especial, nos pequenos negócios. Atualmente, 99% das empresas são MPEs, que respondem por 50% dos empregos e de 30% do faturamento. Nossos estudo no Sebrae mostram que os segmentos da construção civil, de alimentação fora do lar, além de moda e varejo tradicional estão entre os mais prejudicados pela pandemia da Covid-19 no Brasil. O isolamento está castigando as pessoas que precisam ficar em casa, assim como as empresas. No entanto, com criatividade e modernização nos processos, há quem esteja crescendo em receita.

 

Vendendo mais na crise?

Sim. Em alguns ramos, as transações pelos canais digitais ampliaram as vendas em mais de 50%. Mas a maioria caiu. Há um movimento claro na sociedade em que os pequenos negócios estão sendo mais valorizados. Fizemos alguns estudos que comprovaram isso. Na primeira semana de abril, quase 88% dos empresários ouvidos afirmaram que seu faturamento havia caído, com perda de 75%, em média. A estimativa é que as empresas conseguiriam permanecer fechadas e ainda assim ter dinheiro para pagar as contas por mais 23 dias, pela expectativa média dos entrevistados. A situação financeira das empresas já não era considerada boa pela maioria dos pequenos negócios, e 73% disseram que era razoável ou ruim, mesmo antes da chegada da pandemia. Essa mesma pesquisa mostrou que mais de 62% dos negócios interromperam temporariamente as atividades ou fecharam as portas definitivamente. Entre os 38% que continuam abertos, a maioria mudou o seu funcionamento, passando a fazer apenas entregas, atuando exclusivamente no ambiente virtual ou adotando horário reduzido.

 

Quais foram as iniciativas do Sebrae para reduzir o impacto da crise nas MPEs?

O Sebrae e o governo, através principalmente do Ministério da Economia, estão totalmente focados em buscar as melhores soluções para proteger as empresas e salvar de milhões postos de trabalho. Nesse sentido, nós temos atuado em várias frentes. A primeira é a qualificação. O Sebrae disponibilizou, gratuitamente, o acesso a todo o conteúdo disponível em suas plataformas. São cursos e orientações feitas pensando em cada um dos segmentos empresariais. O objetivo é contribuir para que os donos de pequenos negócios estejam mais capacitados para enfrentar a crise com recursos de gestão, inovação e planejamento. O corpo técnico do Sebrae está 100% focado em desenvolver soluções para as micro e pequenas empresas superarem esse momento e mitigarem os efeitos da pandemia. Outra linha de atuação tem sido a ampla articulação com o Congresso e o governo para formulação de políticas públicas que melhorem o ambiente de negócios nesse momento. Nas últimas semanas, vimos o anúncio de um conjunto de Medidas Provisórias, leis e portarias que flexibilizaram as normas trabalhistas, estenderam os prazos de pagamento de impostos, reduziram a burocracia, entre outras iniciativas estratégicas.

Isso já é suficiente?

Não. Dentro desse esforço, merece destaque o trabalho que vem sendo desenvolvido para ampliar o crédito disponível aos donos de micro e pequenas empresas. O Sebrae vai destinar pelo menos metade da sua receita, pelos próximos três meses, para alavancar o Fundo de Aval da Micro e Pequena Empresa, o Fampe. Os recursos desse fundo servem como garantia nas operações de crédito feitas por pequenos negócios, incluindo os MEIs. A expectativa do Sebrae é que sejam feitas operações de microcrédito que somem cerca de R$ 12 bilhões até o final do ano. Além dos recursos, os empresários que tomarem esses empréstimos terão um crédito assistido, e serão acompanhados pelo Sebrae durante toda a jornada, até a quitação desse financiamento junto ao banco, com consultorias, capacitações e orientações técnicas.

 

O que as empresas precisam fazer para não falir?

Pelas previsões das autoridades de saúde, as medidas de isolamento social ainda devem permanecer em vigor por mais algum tempo, na maioria das grandes cidades brasileiras. Desse modo, continuam valendo as orientações que o Sebrae vem dando desde a chegada da pandemia ao Brasil. A principal delas é priorizar, de todas as formas, o equilíbrio do fluxo de caixa. O ponto de partida para qualquer empresa, nesse momento, é fazer uma análise cuidadosa das despesas de modo a poder avaliar a viabilidade de manter o negócio em operação, fechar as portas ou restringir as atividades ao nível que for possível, de acordo com o faturamento atual. Nesse sentido, negociar é a palavra de ordem. Vale negociar melhores prazos e valores adequados com fornecedores, condições mais vantajosas de pagamento de empréstimos junto aos agentes financeiros, prazo de entrega ou antecipação de pagamento com os clientes, aluguel do espaço físico da empresa, entre outras medidas.

 

Quais seriam essas outras medidas?

As empresas devem buscar formas alternativas para gerar qualquer tipo de receita. É o que temos visto acontecer com milhares de empresas pelo País. Os donos de pequenos negócios estão usando da criatividade para estar em contato com seus clientes e encontrar soluções inovadoras para vender seus produtos e serviços. Vimos escolas que passaram a oferecer aulas on-line, restaurantes que não trabalhavam com delivery e que passaram a usar os garçons para efetuar as entregas, entre outras iniciativas. Na semana passada, celebramos a superação da marca de 10 milhões de microempreendedores individuais no País, os MEIs, uma prova de que o brasileiro está cada vez mais empreendedor.

 

O aumento no número de MEIs é o efeito colateral do aumento do desemprego e da informalidade…

Isso é verdade. Mas o MEI é o emprego do futuro e a flexibilidade é necessária para reduzir o desemprego. Há outros indicadores que nos deixam otimistas. Na crise, de 25% a 30% das micro e pequenas podem fechar, mas outras empresas vão entrar no lugar. As MPEs têm uma incrível capacidade de se reinventar.

 

Como o Sebrae imagina a economia do País após a pandemia?

Tudo ainda é muito novo e qualquer previsão de longo prazo é extremamente arriscada. A crise nocauteou muitas empresas. O que os economistas preveem para 2020 é uma enorme recessão, tanto para o Brasil como para a economia mundial. Nesse contexto, as comparações com a crise de 1929, a pior da história do capitalismo, têm sido inevitáveis. Vamos ter um ano marcado por uma gigantesca retração do consumo, desemprego e queda no PIB das principais economias do mundo. Mas acredito que a partir de agosto começaremos a ter uma reação e chegaremos ao fim do ano com a volta da normalidade.

 

O que esperar dos governos?

O que se espera é que as medidas de socorro que os governos estão adotando em vários países sejam capazes de assegurar a sobrevivência dos pequenos negócios de modo que possamos ter, em 2021, uma retomada. Na China, locomotiva da economia global, já percebemos um movimento de lenta retomada à normalidade. Há outro movimento importante que começamos a perceber, que é das grandes economias mundiais como EUA e Japão começarem a buscar reduzir sua dependência da China. Poderemos ver, nos próximos meses, diversas indústrias transferirem para outros países diferentes etapas do seu processo de produção. O governo do Japão, inclusive, já anunciou um pacote de US$ 2,2 bilhões para apoiar as empresas do país que desejem remover suas atividades da China. Isso, certamente, vai gerar um forte impacto.

Voltar à normalidade significa voltar ao ritmo pré- crise?

Para os pequenos negócios o que é certo é que nós não voltaremos ao estágio que estávamos antes da Covid-19. Nesse período de isolamento, as pessoas estão tendo de fazer compras em domicílio e esse processo de transformação digital não vai retroceder. Se, de alguma maneira, as empresas ainda resistiam à transformação digital dos negócios, elas tiveram de se adaptar agora, mesmo que a fórceps. E essa transformação está baseada numa mudança e ampliação nos canais de interação e venda. O principal legado de todo esse processo é que as empresas analógicas se viram forçadas a fazer essa transformação digital para sobreviver. Quando a crise acabar, elas retornarão ao presencial, mas não vão abandonar sua presença on-line.

 

Então a digitalização dos negócios será acelerada?

Neste cenário pós-Covid-19, vislumbro que a cultura empreendedora se tornará ainda mais relevante no processo de alavancagem de nossa economia. Não apenas como fomento à vocação natural do brasileiro, que em 2019 atingiu o maior patamar de empreendedorismo inicial, com 23% da população adulta envolvida na criação de um negócio ou com um negócio com até três anos e meio de atividade. Mas também como o estímulo para que crianças e jovens, gestores públicos, startups, moradores de comunidades em situação de vulnerabilidade também possam se tornar protagonistas desse processo de reerguer não apenas a economia, mas promover cidadania, autoestima e inclusão social. Toda crise representa um desafio, mas pode ser também uma oportunidade para o empreendedor criar soluções inovadoras, que contribuam com o desenvolvimento e a profissionalização. As principais lições que a crise deixa para o empreendedor brasileiro são: a importância do planejamento, da qualificação da gestão e do investimento em inovação.

 

Fonte:ISTO É DINHEIRO

 

 

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