O fenômeno da alta persistente de preços acometeu o Brasil por décadas, instalando-se definitivamente durante a década de 80, quando acabou transformando a economia num laboratório de experimentos heterodoxos com congelamentos de preços, câmbio e salários, deixando a inflação mais viva com essas experiências e seus fracassos.
Até 1994 o país conviveu com inflações mensais e anuais elevadíssimas. Hoje os mais jovens não entenderiam aqueles patamares de elevação. Por exemplo, em janeiro de 1983 a inflação registrou dois dígitos (10,45%). Posteriormente, foi se mantendo nesse nível porque as políticas fiscal e monetária não produziram os efeitos esperados, em virtude da indexação.
A indexação correspondia ao reajustes de preços e salários com base no resultado do mês anterior. Assim, naquele ano a taxa superou 135,1%. Os salários corriam atrás dos preços e os mecanismos de realimentação do processo inflacionário se espalhavam, tornando o seu combate mais difícil e inercial.
A complexidade do fenômeno nos fez conviver com Plano Cruzado (1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989) e Plano Collor I e II (1990 e 1991). Nesses anos a inflação era contida; mas depois explodia. Respectivamente tivemos 147,14%; 228,34%; 1.430,72%; 2.947,73% e 432,79%.
Se a mensal situava-se na casa dos dois dígitos, ressalta-se que de novembro de 1989 (47,82%) até março de 1990 (82,39%) a situação espelhava que o governo havia perdido controle, como sempre acontecia nos períodos anteriores aos choques heterodoxos.
Se todos esses planos não tiveram êxito, serviram para que a reforma monetária com o Real fosse sucesso. Para isso, contribuíram o diagnóstico que a economia brasileira estava (informalmente) dolarizada, e com base nisso foi constituída transição para a implementação do real, com um indexador balizado pelo dólar e fruto da média de três outros índices inflacionários: a URV (Unidade Real de Valor), que mais tarde seria equiparada a uma unidade de dólar.
De julho de 1994 para cá a história se modificou bastante e a estabilidade inflacionária trouxe ares até então desconhecidos em relação às décadas passadas; contudo, previsíveis e inclusivos. Previsíveis porque permitiu que as pessoas se planejassem melhor e, assim, organizassem as suas finanças. E quando a taxa despencou, aqueles agentes econômicos que sofriam perda real de renda passaram a beneficiar-se do efeito contrário e foram para o mercado consumir.
Evidentemente que nem tudo foram flores. Porém, aqueles indicadores mensais superinflacionários jamais se repetiram.
Mais recente, tomando o ano de 2007 para cá, verifica-se apenas em dois momentos a inflação extrapolou batendo dois dígitos em 2015 (10,67%) e em 2021 (10,06%). Mesmo assim, taxas anuais que já foram mensais outrora.
Não cabendo aqui explorar as razões para isso, deve-se destacar que a partir de junho de 1999 a política antinflacionária do Banco Central passou a vigorar de acordo com um sistema de metas. Assim, o calibre das taxas de juros (Selic) determinadas pela autoridade monetária centrava atingir a meta definida para o ano-calendário.
Procurar o atingimento das metas anuais consistia – e ainda consiste – elemento número um da ação do Bacen. Só que com a mudança de sistema, o esforço do Bacen pode exigir menos da sociedade e dos setores produtivos.
No corrente ano, a gestão da política pública tratou de mirar na alta dos juros sendo o freio do crescimento. Conclusão; após 24 anos de experiência no sistema de metas anuais, o Banco Central irá passar a atuar olhando mais para a frente, estabelecendo novas perspectivas, ao invés de somente buscar atingir a exclusivamente a taxa de inflação definida para o ano-calendário.
Em 2022 mirava-se em 3,50%; neste ano a meta está em 3,25% e para os próximos dois em 3,0%, sempre considerando o intervalo de tolerância um ponto e meio percentual para cima ou para baixo.
Com a mudança para a meta contínua em 3,0% e o horizonte de 24 meses, por exemplo, o Bacen vai poder ser mais flexível na fixação da Selic e o mercado poderá operar com maior previsibilidade em relação ao comportamento dos juros.
Nesse contexto, pode-se pressupor que o sistema evoluiu, mudou de padrão, aproximando-se de países já adotam, como EUA, Turquia, Canadá, México, entre outros. Alguns possuem intervalo de tolerância, outros não.
Mesmo com o novo sistema, para o Banco Central prevalece o controle da inflação e a preservação do poder da moeda os objetivos principais.
Para empresários, a garantia de que o combate a elevação dos preços poderá ser atenuado, na medida em que as expectativas são de queda dos juros e de manutenção da inflação em níveis bastante aceitáveis e críveis, conjuntura esperada para o desengavetamento de projetos e investimentos.
O Boletim Focus disparado em 07 de julho de 2023 converge nesse sentido. Primeiramente porque o mercado acredita que a inflação deverá revelar trajetória descendente. Para os analistas, a inflação anual esperada entre os exercícios de 2023-2026 poderá ficar perto de: 4,95%; 3,92%; 3,60% e 3,50%.
Se a esperança é de que isso venha acontecer, o movimento abre margens para o declínio da Selic: 12,00%; 9,50%; 9,00% e 8,75%. Leia-se, portanto, que o mercado estima juros básicos na casa de um dígito a partir do ano quem, resultado das sucessivas quedas esperadas para os meses vindouros desse segundo semestre.
O corolário das projeções é o de que a economia possa perpassar por novas condições que impactarão seu crescimento num ambiente de juros menores acompanhados de desinflação.
Segundo o Focus, o produto doméstico pode alcançar 2,19% neste ano, caindo para 1,28% em 2024. A partir daí, por força dos juros, tenderá a subir gradualmente nos dois anos posteriores: 1,80% e 1,88%.
Vislumbrando o futuro, as expectativas são benéficas e podem auxiliar na construção do cenário de estabilidade que se pretende alcançar. Nessas condições, inflação domada e num nível reduzido, juros inferiores, destrava-se o freio que impede a geração de investimentos que fermentarão a economia e elevarão emprego e renda.
Ao nosso ver, sem sombra de dúvidas, a estabilidade inflacionária consiste na meta a ser perseguida permanentemente. Esse é um avanço para que o desenvolvimento possa ser promovido, reduzindo as desigualdades socioeconômicas.
Autor: Antonio Everton Chaves Júnior. Economista CDL RIO e Sindilojas RJ.
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