A concorrência desleal e o abuso do poder econômico no sistema de franchising

Correio Braziliense – 21 de agosto de 2017 – Opinião, Página 9

Raul Canal 
Raul Canal, Advogado Especialista em Associativismo e Cooperativismo, Presidente da Associação Brasileira de Franqueados (Asbraf)

 

 A economia brasileira tem se mostrado, ao longo das décadas, uma das mais robustas do mundo, ao ponto de haver superado a transição do regime militar para o de economia aberta, ter sofrido dois impeachments de presidentes da República em pouco mais de 20 anos e ter enfrentado os maiores escândalos de corrupção política da história do pensamento humano. Apesar disso, com eventuais movimentos retrógrados, mantém-se pujante, firme e de provocar inveja a qualquer das grandes potências econômicas do planeta.

Nossa economia ainda sobrevive apesar da fragilidade das instituições, da burocracia paquidérmica, da impunidade intolerável, da irresistível carga tributária e da hipertrofia estatal. Nenhuma tese de pós-doutorado de economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) ou em Harvard, dois dos centros de excelência acadêmica, científica e tecnológica mais famosos do mundo, conseguiria explicar o complexo sistema econômico brasileiro e a forma como ele se sustenta ao longo dos tsunamis políticos que, de quando em vez, assolam o país.

Dois pilares podem ser apontados como sustentáculos da economia brasileira a partir, principalmente, das três últimas décadas do século vinte e o limiar do terceiro milênio. Na esfera da produção, temos o agronegócio, o qual se modernizou e se automatizou a partir da década de 1970, tornando o Brasil o maior produtor de alimentos do planeta e garantindo o superávit na balança comercial.

Na outra ponta, o sistema de franquias garantiu a distribuição de produtos e serviços de forma inovadora, ágil e com custos competitivos. A evolução das vendas do setor de franchising, em relação à variação do Produto Interno Bruto – PIB em %, revela a força do sistema de franquia. Em 2016, quando as redes franqueadoras registraram um crescimento de 8.3% nas vendas, a média da economia brasileira apresentou uma retração de – 3,6%, tomada pela taxa real de expansão do Produto Interno Bruto – PIB. No mesmo período o sistema de franquia empregou 1,2 milhões de pessoas, o que corresponde a 3% dos empregos formais na iniciativa privada brasileira. O percentual de participação do faturamento do franchising em 2016 (R$ 151,2 bilhões) em relação ao PIB brasileiro (R$ 6.266 trilhões), foi de aproximadamente 2,43%.

Todavia, apesar de promissor, observamos uma relação injusta e desigual na verticalidade e unilateralidade estabelecida e mantida pelo sistema franqueador brasileiro. As regras contratuais são impositivas, não permitindo ao franqueado – que é o verdadeiro gerador de empregos, riquezas e renda – qualquer espécie de negociação ou flexibilização nas exigências contratuais de exclusividade de fornecedores, aquisição mínima periódica de produtos, independentemente da temperatura da economia e royalties extorsivos. Por outra banda, o franqueado, que entra no negócio com capital, trabalho e risco, não tem qualquer garantia quanto à exclusividade, áreas territoriais e continuidade no fornecimento.

O cenário piorou sobremaneira na última década, quando o próprio franqueador, com o advento das vendas online, passou a concorrer direta e deslealmente com o seu franqueado, chegando, via redes sociais, diretamente ao consumidor final com preços mais atrativos que aqueles praticados pelo franqueado – muitas vezes com preço final igual ou abaixo do preço de venda praticado pelo franqueado

Dois exemplos recentes de canibalismo demonstram essas situações. Um grande franqueador da área de perfumarias e outro da área de chocolates. O da perfumaria, em algumas capitais do Nordeste, após asfixiar os seus franqueados, com a não entrega de mercadorias nas datas de pico de vendas e praticando uma concorrência desleal com as vendas diretas, recompra as lojas ao preço que lhe convier, geralmente vil. Em Brasília, esse franqueador tem uma rede de 60 lojas franqueadas, das quais 28 já foram recompradas dos franqueados, que, à beira da falência, vendem a operação para o franqueador pelo preço que o mesmo impõe. O franqueador do ramo de chocolates, após comercializar cerca de dois mil pontos de franquia, criou cinco novos canais de distribuição, colocando pequenos equipamentos que vendem chocolates em hospitais, galerias, faculdades, clubes e centros empresariais e pequenas unidades volantes, muito parecidas a carrinhos de picolés, que circulam dentro dos shoppings concorrendo com as lojas franqueadas estabelecidas, além é claro das vendas diretas (venda direta de chocolate! Durma-se com essa barulheira).

Nessa relação injusta e desigual, o franqueado é quem entra com o capital, com o trabalho e com o risco total. Imagina ele que o modelo de negócio previamente experimentado e com sucesso em pilotos do franqueador vai protegê-lo dos perigos e das desventuras do mercado e, em grande parte das situações, esse sistema que deveria blindá-lo – e ele está pagando caro por isso – acaba por ser o seu algoz.

Com o firme propósito de mudar um pouco essa realidade e tornar mais justas as relações com o franqueador, os franqueados brasileiros se uniram recentemente e criaram a Associação Brasileira de Franqueados (Asbraf), entidade de âmbito nacional que tem por objetivo defender os seus interesses, estabelecendo relações mais sólidas e com regras mais justas e equilibradas.

Com foco na correção desses desequilíbrios, a Asbraf prioriza duas ações estratégicas: o apoio ao PLC 219/2015 que se encontra no Congresso Nacional para votação em plenário, cujos principais destaques serão determinantes para o aperfeiçoamento das relações formalizadas entre franqueadores e franqueados, e a criação da Frente Parlamentar Mista de Apoio às Empresas Franqueadas como instrumento suprapartidário de fortalecimento do sistema de franquia brasileiro.

O sistema foi muito bem construído e desenvolvido no Brasil. Todavia, somente subsistirá se as regras forem mais equilibradas.

 

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