Lojistas vão à Justiça para ter acesso à conta de condomínio de shoppings

Lei que dispõe sobre a locação de imóveis urbanos cita que despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento e demonstradas a cada 60 dias, se isso for exigido.

Por Fátima Fernandes, 25 de setembro de 2020 às 07:00

Jornalista especializada em economia e negócios e editora do site Varejo em Dia

A crise provocada pelo novo coronavírus expõe mais um atrito nas relações entre lojistas e administradores de shopping centers.

O cabeleireiro Paulo Takeshi, 56 anos, recorreu à Justiça para ter acesso ao que parece ser o básico: o detalhamento nos gastos do condomínio do shopping União de Osasco.

Somando fundo de promoção, aluguel e condomínio, o boleto mensal do seu salão, o Sapporo, de pouco mais de 80 metros quadrados, somava R$ 27 mil, quase 30% do faturamento no mês.

Para um negócio ter algum lucro em um centro comercial, este percentual não deve ultrapassar 12%, de acordo com especialistas em varejo.

Hoje, na média, está em 18%, segundo levantamento feito pela Ablos (Associação Brasileira dos Lojistas Satélites).

Takeshi sabe muito bem o que é pagar quase um terço do faturamento para o shopping, após fechar no vermelho durante meses. Tentou negociar os valores, sem sucesso.

Depois de 11 anos no União de Osasco, do grupo Savoy, onde tinha cerca de 17 mil clientes, decidiu fechar o salão em abril deste ano e buscar ajuda na Justiça.

Na ação, o cabeleireiro quer ver transparência nas contas e cobrar eventuais créditos a seu favor. Quando entrou no centro comercial, ele pagou cerca de R$ 140 mil de luvas.

“Fui atraído pelo ambiente agradável, mas percebi ao longo dos anos que shopping é uma teia de interesses estritamente financeiros, não de parceria”, afirma.

Os lojistas não sabem como se dão os gastos do condomínio de um shopping, diz ele. Loja fechada e âncoras pagam ou não o condomínio? O shopping tem lucro com o estacionamento?

Essas são algumas das questões, diz ele, que os lojistas levantam o tempo todo, especialmente a partir de 2014, quando começou a crise econômica mais longa da história do país.

Enquanto as vendas iam bem, os comerciantes pagavam os boletos sem prestar muita atenção nos detalhes. Hoje, com uma clientela reduzida, qualquer real a menos faz a diferença.

“O condomínio é um rateio de despesas. Todos os valores gastos e as decisões tomadas deveriam ser de conhecimento de todos, e aprovadas ou não, como nos prédios residenciais.”

É injusto, na sua avaliação, o valor pago de luvas para entrar em um empreendimento não ser devolvido para o lojista. “Deveria funcionar como caução.”

LEGISLAÇÃO

A Lei 8.245/91, que dispõe sobre a locação de imóveis urbanos cita, em seu artigo 54, que, nas relações entre lojistas e empreendedores, prevalecem as condições pactuadas nos contratos.

Menciona ainda que as despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, e demonstradas.

O locatário também pode a cada 60 dias, por si só ou por meio de uma entidade de classe, exigir a comprovação das mesmas, de acordo com a lei.

“Despesas como, limpeza e segurança, são parte do condomínio. O que muitos lojistas querem saber é se há cobranças indevidas”, afirma Daniel Cerveira, advogado e consultor da Ablos.

Reformas estruturais e acréscimos de área não podem ser cobrados dos lojistas. O que podem ser rateadas, diz ele, são as despesas necessárias para o funcionamento do shopping.

 “A divisão de como é feito o rateio para o pagamento de energia elétrica e IPTU, por exemplo, não é detalhada em praticamente todos os shoppings”, afirma Tito Bessa, presidente da Ablos.

A grande reclamação desses comerciantes, diz ele, é que as âncoras, os cinemas e os restaurantes não costumam pagar condomínio nos centros comerciais.

“As lojas satélites ocupam cerca de 50% da área de um shopping e pagam por todos. É assim que funciona”, afirma. 

No passado, diz ele, os shoppings alegavam que quem trazia fluxo para o local eram as âncoras e, por essa razão, elas tinham benefícios.

Uma pesquisa recente feita pela Ablos, de acordo com Bessa, revela que o que traz fluxo para o shopping hoje é o mix de lojas, não as âncoras, como no passado.

“É uma injustiça. A loja satélite está subsidiando o lucro das âncoras. Isso precisa mudar”, afirma o presidente da Ablos.

O pedido dos lojistas para a transparência nas contas dos shoppings não é de hoje.  

Existe até projeto de lei, como o PL 3.152/15, do deputado Áureo Ribeiro (SD-RJ), obrigando os shoppings a contratar auditoria externa para análise de despesas cobradas de lojistas.

MINAS GERAIS

As relações entre lojas e administradores de shoppings também estão difíceis em Minas Gerais.

A Aloshopping, associação de lojistas de shoppings de Minas Gerais, entrou com ação contra o shopping Del Rey, da BRMalls, para que abra as contas em relação ao quesito estacionamento.

“Toda a receita do estacionamento é do shopping, só que o centro comercial coloca as despesas com iluminação, segurança e limpeza para o lojista pagar.”

Em outra ação, a Aloshopping questiona outro centro comercial mineiro por cobrar do lojista a infraestrutura de ar condicionado que foi instalada durante a construção.

Alexandre França, superintendente da Aloshopping, afirma que os lojistas devem pagar pelo uso do ar condicionado, não pela instalação de equipamentos.

“Descobrimos que estava ocorrendo isso porque o custo do ar condicionado do shopping estava três vezes maior do que o da média de empreendimentos semelhantes.”

Durante a pandemia, diz ele, até que os shoppings mineiros foram sensíveis no período em que as lojas permaneceram fechadas.

Alguns zeraram o aluguel e deram descontos de 50% no valor do condomínio. Após a reabertura das lojas, os descontos estão sendo decididos mês a mês.

O problema agora, diz ele, é que os shoppings estão enviando os boletos para pagamento do condomínio no final do mês com prazo curtíssimo para ser quitado.

“Como um lojista sobrevive sem saber o quanto vai pagar de conta no final do mês?”

De repente, diz ele, alguns shoppings passaram a dar descontos de até 70% no valor do condomínio. “Aí fica a pergunta. Mas o condomínio não é rateio de despesas?”

Procurada pelo Diário do Comércio para comentar a ação movida por Paulo Takeshi, a administração do shopping União Osasco não deu resposta até o fechamento desta edição.

 Fonte:DCOMERCIO

 

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