Mudanças em ITCMD e ITBI, criação de Comitê Gestor: o que vem na reforma tributária?

Novo projeto de lei complementar foca em pontos específicos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será gerido por Estados e municípios

O segundo projeto de lei complementar para regulamentar a reforma tributária dos impostos sobre o consumo, que será encaminhado nesta terça-feira (4), pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional, trata de aspectos específicos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido por Estados e Municípios.

Conforme já previsto na Emenda Constitucional (EC 132/2023) da reforma tributária, promulgada no fim do ano passado, o novo imposto substituirá o estadual Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e o municipal Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). E se somará à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e ao Imposto Seletivo (IS), criados no novo sistema.

O texto que segue para o Congresso Nacional trata de temas como a estruturação do Comitê Gestor do IBS (assunto que gerou polêmica durante a tramitação da Emenda Constitucional no Congresso Nacional), a distribuição dos valores arrecadados pelo novo tributo, regras de transição e normas para a gestão de eventuais contenciosos jurídicos.

O texto também trata da regulamentação do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), além de mudanças na forma de incidência do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos, por Ato Oneroso, de Bens Imóveis e de Direitos a Eles Relativos (ITBI) e novas definições relativas à Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip).

Veja os principais pontos do texto, apresentados pela equipe econômica do governo federal, em entrevista coletiva, concedida na sede do Ministério da Fazenda:

1. Comitê Gestor: Criação de órgão interfederativo para exercício conjunto de estados, municípios e do Distrito Federal das competências administrativas do IBS previstas no novo desenho do sistema tributário nacional.

Dentre diversas atribuições, a nova instituição terá o objetivo de garantir a implementação do princípio da não cumulatividade plena do imposto, tanto no que se refere à operacionalização de mecanismos de controle da higidez do sistema de créditos e débitos deste imposto, como também no que diz respeito à devolução dos saldos credores aos seus respectivos titulares (que permitirá a desoneração efetiva de exportações).

O Comitê Gestor também terá papel relevante na aplicação do princípio de destino e para a distribuição do produto da arrecadação entre os entes subnacionais − especialmente no período de transição do modelo atual (de ICMS e ISS) para o novo desenho (com o IBS não cumulativo).

Ao órgão também recairá a competência para uniformizar a interpretação institucional da legislação do IBS e decidir o contencioso administrativo, ao que se somam ainda as atribuições afetas à coordenação da fiscalização e das ações de cobrança administrativa e judicial do imposto.

Caberá ao órgão disciplinar, por exemplo, situações em que dois ou mais entes federativos estejam interessados no desenvolvimento de atividades concomitantes de fiscalização sobre um mesmo sujeito passivo. Nestes casos, a norma prevê que um deles figure como titular e outro como cotitular da ação fiscal, racionalizando os trabalhos. Lógica similar é adotada para cobranças e representações.

Quanto ao funcionamento do Comitê Gestor, o projeto institui as seguintes instâncias: Conselho Superior, Diretoria-Executiva e suas diretorias técnicas, Secretaria-Geral, Assessoria de Relações Institucionais e Interfederativas, Corregedoria e Auditoria Interna. O primeiro representa a instância máxima de deliberação do órgão e é composto por 27 membros (representando cada unidade federativa) e outros 27 (representando o conjunto de municípios e o Distrito Federal).

Conforme já previsto na Emenda Constitucional promulgada no ano passado, deliberações serão consideradas aprovadas caso ocorra, cumulativamente, a manifestação favorável da maioria absoluta dos representantes dos Estados e do Distrito Federal e também dos representantes de Estados e Distrito Federal que correspondam a mais de 50% da população do País, além da aprovação, em relação ao conjunto dos municípios e do DF, da maioria absoluta de seus representantes.

Já em relação ao controle externo, em vez de estar sujeito a todos os tribunais de contas do país, o projeto estabelece que a fiscalização contábil, operacional e patrimonial do Comitê Gestor do IBS será exercida pelo Tribunal de Contas do Estado ou do Município competente para apreciar as contas do ente federativo de origem do Presidente que esteja no exercício do cargo. O Tribunal de Contas da União também poderá atuar em relação aos recursos aportados pelo governo federal para o financiamento das despesas necessárias à instalação do órgão.

Pelo texto, a União custeará, por meio de financiamento (remunerado com base na Selic, em 20 parcelas semestrais sucessivas), as despesas necessárias à instalação do comitê, de 2025 a 2028, em montante até R$ 3,8 bilhões (R$ 600 milhões em 2025, R$ 800 milhões em 2026, R$ R$ 1,2 bilhão em 2027 e R$1,2 bilhão em 2028). Já no período de 2026 a 2028, os aportes mensais da União serão reduzidos em valor equivalente ao montante da receita do IBS destinada ao financiamento do órgão.

Do ponto de vista orçamentário, cabe ao Conselho Superior do Comitê Gestor propor, anualmente, o percentual do produto de arrecadação do IBS de cada ente que será destinado ao financiamento do órgão no exercício financeiro subsequente, não podendo superar 2%. Em 30 dias da publicação (que deverá ocorrer até 31 de julho do ano anterior), os Poderes Legislativos dos entes federativos de origem dos membros titulares do Conselho Superior do órgão deverão se manifestar sobre a aprovação ou rejeição das propostas acima. Serão consideradas rejeitadas as propostas se houver manifestação nesse sentido da maioria absoluta dos Poderes Legislativos. Nestes casos, o Conselho Superior deverá destinar ao financiamento percentual do produto da arrecadação do IBS equivalente ao constante da última proposta que não tenha sido rejeitada. O orçamento poderá prever a destinação de montante equivalente a até 0,05% da arrecadação corrente do tributo a programas de incentivo à cidadania fiscal.

O texto também trata de normas do processo administrativo tributário no âmbito do IBS. Ele prevê que os atos e termos sejam formalizados, tramitados, comunicados e transmitidos em formato eletrônico. E não havendo prazo expressamente previsto, ele será de 10 dias úteis. Há, ainda, previsão de 4 instrumentos de recursos: de ofício, voluntário, de uniformização e de retificação, todos com prazo de 20 dias a contar da intimação. Existe possibilidade de adoção de rito sumário, em razão do crédito tributário inferior ao valor de alçada ou em razão da menor complexidade da matéria.

Além das figuras recursais mencionadas, o PLP institui o Incidente de Uniformização, cabível em relação a matérias repetitivas sobre mesma questão de direito. Em todas as instâncias (primeira instância de julgamento, recursal e de uniformização da jurisprudência) fica assegurada a paridade de representação entre o conjunto dos Estados e o DF e o conjunto de municípios e o DF.

2. ITCMD e doação de bens e direitos: Atendendo a pedidos de Estados e do Distrito Federal, o governo incluiu no texto disposições sinalizadas no texto constitucional para o ITCMD. O projeto contempla no fato gerador a transmissão de quaisquer bens e direitos para os quais se possa atribuir valor econômico.

Em uma versão preliminar do texto que vazou ontem (3), chegou a constar a inclusão dos planos de previdência sob regime financeiro de capitalização, em que o patrimônio da pessoa falecida é transferido aos herdeiros (tais como Plano Gerador de Benefício Livre – PGBL e Vida Gerador de Benefício Livre – VGBL), como alguns entes (como Minas Gerais e Rio de Janeiro) já têm adotado.

O dispositivo poderia permitir uma padronização nacional sobre o assunto em meio a disputas em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas ele acabou retirado pelo governo, conforme confirmou o secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. “Este tema não foi incluído na versão que está sendo enviada ao Congresso Nacional, porque esse é um projeto que tem uma avaliação política e foi feita uma avaliação política pelo governo”, disse em entrevista coletiva. A norma retirada do PLP apenas excluía da incidência do tributo os planos de previdência privada (PGBL e VGBL) considerados contratos de risco (similares a seguros de vida).

O texto também traz definições de sucessor, doação e uma lista não exaustiva das transmissões a título gratuito que também são consideradas como doações para fins de incidência do ITCMD.

Há, ainda, normas específicas intituladas pelo governo como “anti-abuso”, limitadas a transmissões entre pessoas vinculadas (ou seja, parentes de até terceiro grau e pessoas com outras relações de proximidade), que versam sobre situações que, na realidade econômica, consistem em doações. Pelo entendimento, as situações, entre pessoas vinculadas, de “transmissão declarada como onerosa a pessoa que não demonstre capacidade econômica para sua aquisição”; “atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação”; e “perdão de dívida por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação” podem corresponder a negócios jurídicos praticados pelo contribuinte com qualificação jurídica atribuída por ele incorreta, correspondendo, na realidade, a verdadeiras doações.

No caso de transmissões envolvendo trusts e contratos assemelhados no exterior, utilizadas para planejamento patrimonial e sucessório por famílias de alta renda, existe previsão de cobrança − seguindo normas de lei aprovada no ano passado pelo Congresso Nacional.

A alíquota do ITCMD será definida por cada Estado e pelo Distrito Federal. Ela será

progressiva, em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação.

Pelo projeto, no caso de bem imóvel, o ITCMD é devido ao Estado, ou ao Distrito Federal, onde estiver localizado o bem, independentemente de transmissão por doação ou causa mortis. E no caso de bem móvel, o tributo é devido ao ente onde for residente ou domiciliado o doador ou o de cujus. Há regras ainda envolvendo o exterior.

O texto também traz hipóteses de imunidade do ITCMD, como as doações e heranças para entes públicos, partidos políticos, entidades religiosas e templos de qualquer culto, incluindo suas organizações assistenciais e beneficentes.

3. ITBI: O texto atualiza o nome do tributo para Imposto sobre Transmissão Inter Vivos, por Ato Oneroso, de Bens Imóveis e de Direitos a Eles Relativos. O projeto mantém as 3 hipóteses para fatos geradores já previstos no código tributário nacional: 1) a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física; 2) a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; e 3) a cessão inter vivos, por ato oneroso, de direitos relativos às transmissões referidas anteriormente.

Pela norma, considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento da celebração do ato ou título translativo oneroso do bem imóvel ou do direito real sobre bem imóvel; e da cessão onerosa de direitos relativos à aquisição de bem imóvel. A base de cálculo é o valor venal, que passa ser definido de forma similar ao IBS/CBS, com previsão do “valor de referência” na legislação municipal ou distrital, com base em dados de mercado.

4. COSIP: O PLP também traz disposições sobre a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip), mencionada também na própria Emenda à Constituição da reforma tributária. Os recursos são destinados pelos municípios para serviço de iluminação pública e sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos. Com o intuito de uniformizar normas e práticas, o texto define expressamente esses dois possíveis destinos para os recursos da contribuição.

Tramitação especial

Para passarem a valer, as novas regras previstas na reforma tributária precisam ser aprovadas nas duas casas legislativas. Por ser um projeto de lei complementar, o texto depende do apoio da maioria absoluta da Câmara dos Deputados (ou seja, 257 dos 513 votos) e do Senado Federal (ou seja, 41 dos 81 votos disponíveis).

A expectativa de integrantes do governo federal e dos presidentes das casas do Congresso Nacional é de que as discussões sejam concluídas ainda em 2024, apesar do calendário apertado por conta das eleições municipais.

Na Câmara dos Deputados, o texto terá tramitação diversa ao rito tradicional de proposições desta natureza − assim como ocorreu com o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária. A matéria será discutida inicialmente em grupo de trabalho formado por 7 parlamentares. Depois disso, ele seguirá direto ao plenário, onde será designado um relator para a construção da versão final.

Fonte: InfoMoney

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