Em caso de falência, durante processo, franqueados continuam pagando royalties por uso da marca para massa falida
SÃO PAULO Recuperação judicial da franqueadora não é motivo para pânico de franqueados, defendem especialistas. O mecanismo instituído no Brasil pela lei 11.101 de 2005 permite que empresas endividadas apresentem um plano de reestruturação à justiça e negociem com credores enquanto mantêm, legalmente, suas operações por 180 dias.
O pedido recente da Casa do Pão de Queijo, aceito pela justiça no começo de julho, gerou dúvidas sobre implicações do dispositivo. O requerimento protocolado pela cafeteria menciona dívida de R$ 57,5 milhões. A recuperação, no entanto, se aplica apenas à fábrica e às 28 lojas próprias situadas em aeroportos, sem relação com as unidades franqueadas.
Para recuperação judicial de empresas com franquias, em tese, não há mudanças estruturais que abalem o funcionamento das unidades. Segundo o professor de direito processual civil da Fundação Getulio Vargas e diretor jurídico da Associação Brasileira de Franchising (ABF), Sidnei Amendoeira, o efeito é mais psicológico, ainda que haja casos a se considerar.
“As pessoas acham que quando uma empresa entra em recuperação judicial, ela vai quebrar. Isso é uma mentira retumbante. O processo é justamente para que não quebre”, diz. No período, um administrador judicial escolhido pelo juiz do caso também fica responsável por fiscalizar as atividades e o cumprimento do plano.
Fernando Canutto, advogado especialista em direito empresarial, afirma que o proprietário da unidade deve se esforçar para mostrar que seu negócio está bem, destacando que as dificuldades da franqueadora não o afetam diretamente.
Contudo, eventuais problemas de crédito podem impactar, por exemplo, o fornecimento de produtos de abastecimento exclusivo da marca. De acordo com o diretor jurídico da ABF, a franqueadora poderia autorizar os franqueados, por um período, a comprar de fornecedores homologados para não interromper os serviços.
Em casos mais específicos, de produtos sem a possibilidade de troca provisória do distribuidor, a situação seria, supostamente, um motivo para pedir a extinção do contrato de franquia. Porém, afirma Amendoeira, isso não fica restrito a empresas no período de renegociação e costuma ser bem claro no acordo contratual.
“Juridicamente, se uma franqueadora parar de fornecer produto para o seu franqueado, e ela tiver essa obrigação e responsabilidade, o franqueado vai poder pedir a rescisão de qualquer jeito, nessa fase ou não”, diz.
Na dinâmica empresarial, há contratos de franquia que inserem uma cláusula que prevê a possibilidade de rescisão caso haja o pedido de recuperação judicial. A cláusula ipso facto da insolvência permite a ruptura do contrato mesmo sem o descumprimento de outras obrigações. Porém, a validade do mecanismo é contestada.
Segundo Sidnei Amendoeira, há argumentos de que o dispositivo no contrato poderia inviabilizar, de fato, a reestruturação, uma vez que franqueados poderiam sair do negócio e aumentar as dificuldades econômicas e financeiras da franqueadora. “Há posições diferentes na doutrina e na jurisprudência, mas hoje, a tendência é que o Superior Tribunal de Justiça não aceite rescisões com base nessa cláusula”, afirma.
Na hipótese de a empresa franqueadora ir à falência, diz o especialista em direito empresarial e mercado de capitais Marcelo Godke, a continuidade dos negócios entre as partes também não se altera por completo de uma hora para outra.
Há contratos que mencionam a possibilidade de rescisão, mas é comum que a relação possa perdurar, mesmo com o encaminhamento da empresa para extinção. Durante o processo de falência, o franqueado continua pagando a taxa de royalties —pelo direito de uso da marca e pela propriedade intelectual— para a massa falida.
Os ativos da franqueadora, ou seja, o que o empreendimento tem de bens, normalmente são vendidos para terceiros para pagar os credores. A marca e os contratos de franquia podem passar para outras mãos e o negócio seguir adiante.
“Não existe cláusula que determine a extinção do contrato e a falência também é um processo que demora, pode levar até dez anos ou mais. Então há a chance de decorrer o prazo normal do contrato”, diz Godke. “Renovar é outra história, mas a chance de o contrato ser cumprido até o fim não é pequena.”
Fonte: Folha de S.Paulo