Em artigo, Carlos A. Primo Braga, professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial, dá exemplos de negócios brasileiros pioneiros no uso da IA no dia a dia
Por Carlos A. Primo Braga, professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial
Estamos observando uma revolução tecnológica associada com a rápida evolução da inteligência artificial (IA).
O entusiasmo gerado por essa inovação tecnológica é acompanhado por indagações a respeito dos seus impactos sobre o mercado de trabalho, a produtividade econômica e a distribuição de renda, bem como as suas implicações éticas e legais.
A IA é uma tecnologia de propósito geral (TPG). TPGs tendem a se difundir por toda a economia, estimulam inovações complementares e novos modelos de negócios.
O uso da IA vem se expandindo de forma exponencial desde a introdução de Grandes Modelos Linguísticos (Large Language Models, LLMs) como o ChatGPT da OpenAI. Dois meses após o seu lançamento, em 30/11/2022, o ChatGPT já havia alcançado 100 milhões de usuários.
O desenvolvimento de um LLM pode custar de milhões a centenas de milhões de dólares.
Os recursos computacionais, os custos de aquisição de dados, bem como o treinamento e sintonia-fina desses modelos exigem recursos financeiros e mão de obra especializada que tipicamente não estão ao alcance de PMEs. Mas cabe assinalar que mais de 24% das empresas médias no país já utilizam algum tipo de IA.
O ecossistema associado com o desenvolvimento da IA oferece várias oportunidades para empresas de porte médio.
Quem já tem o que mostrar
A empresa Codex no Rio Grande do Sul (RS), por exemplo, se especializa na estruturação e governança de dados, que permitem organizar e categorizar informações de forma a viabilizar o seu uso em plataformas de IA.
No contexto das enchentes no RS, por exemplo, informações geoespaciais, utilizando imagens de satélite, recursos 3D e software para replicar digitalmente ambientes físicos, estão sendo utilizadas pela Codex e a prefeitura de Porto Alegre para identificar edificações e populações afetadas.
Algoritmos de IA podem em seguida estimar os custos da reconstrução das áreas afetadas. De forma análoga, a Codex tem utilizado IA para, com base em informações geoespaciais, identificar áreas de risco (associadas com piscinas e lotes vagos) que devem ser priorizadas no combate à dengue.
A empresa TDS no Porto Digital em Recife desenvolveu uma plataforma para colaboração estratégica (strateegia) que permite a interação entre pessoas e assistentes inteligentes (habilitados por IA) com perfis e formações diversas com o objetivo de alavancar a qualidade dos debates na plataforma.
Um exemplo dessa colaboração é ilustrado pela utilização da plataforma strateegia pela iniciativa Imagine Brasil da Fundação Dom Cabral que produziu o eBook “Inteligência Artificial e a Produtividade no Trabalho”.
O SENAI de SP vem também utilizando IA para subsidiar a tomada de decisões de empresas industriais de vários portes. Um exemplo é a utilização de dados não estruturados derivados de anúncios de vagas de empregos publicadas online.
Usando IA, o SENAI consegue identificar vagas disponíveis por região geográfica facilitando a intermediação de mão de obra, bem como análises sobre pressão salarial e turnover excessivo em profissões relevantes para empresas da região, além de identificar novos perfis profissionais na indústria.
Exemplos de uso de IA surgem também nas interações do iFood com restaurantes e supermercados. Utilizando algoritmos baseados em IA, o iFood consegue identificar situações de demandas, que não eram atendidas por restaurantes em uma determinada área. Essas informações são então disponibilizadas para os restaurantes com o objetivo de expandir oportunidades comerciais.
No caso de supermercados, o iFood observou que em muitos casos esses estabelecimentos utilizam o WhatsApp como ferramenta principal para a interação com os seus clientes. Essas interações (por exemplo, a utilização do aplicativo para a operacionalização de listas de compras de clientes), no entanto, geravam poucos resultados.
Potencial transformador
O iFood desenvolveu um algoritmo que pode ser integrado ao WhatsApp, permitindo operacionalizar listas de compras com grande eficiência a partir de históricos de compras dos clientes.
O uso da IA também está ocorrendo em associações sem fins lucrativos. Uma operadora de saúde já vem utilizando IA para identificar fraudes e má utilização de recursos. Além disso, os sistemas de IA ajudam com o desenvolvimento de uma “jurisprudência” padrão no que tange às interações com os beneficiários e com a produção de relatórios de acompanhamento de processos.
A IA também permite, a partir de dados de saúde e demográficos com base em RFV (Recência, Frequência e Valor), emitir predições sobre condições de saúde dos beneficiários, probabilidades de internações de longa permanência e de reinternação precoce após alta médica. Essas predições têm um impacto positivo nos resultados da associação.
O uso de LLMs e IA como ferramentas para interação com clientes, elaboração de relatórios financeiros, desenvolvimento de software e análises de riscos começa a se popularizar no Brasil.
Os obstáculos enfrentados por usuários de IA incluem a falta de pessoal qualificado para desenvolver, refinar e lidar com esses sistemas, a necessidade de se investir no volume, variedade e qualidade dos dados utilizados como insumos para as plataformas e os riscos associados com uma regulamentação jurídica ainda incipiente. O potencial dessa tecnologia, no entanto, é transformador e poderá impactar significativamente a economia brasileira.
Fonte: Exame