Vamos falar de ética no franchising brasileiro. Será que existe?

Por Douglas Nunes em 19 de outubro de 2017

Fonte: Site analisando.net, artigo O que nos torna éticos

Este é um tema bastante complexo, a ética tem suas diversas interpretações e pontos de vista, o que é ético para alguns não seria para outros, assim como sofre influência da cultura e das leis que regem um país ou região. Segundo o site significados.com “Ética é o nome dado ao ramo da filosofia dedicado aos assuntos morais. A palavra ética é derivada do grego, e significa aquilo que pertence ao caráter.”, portanto nota-se mais um fator gerando influência, a moral, conceituado por este mesmo site como “O conjunto de regras adquiridas através da cultura, da educação, da tradição e do cotidiano, e que orientam o comportamento humano dentro de uma sociedade.”. Podemos estar debatendo sobre o tema por um longo tempo, de característica abstrata é um assunto do campo filosófico com ramificações infinitas, mas vamos nos concentrar no ambiente em torno do sistema de franchising brasileiro, dentro dos limites do país, de sua cultura e leis.

Contextualizando, o sistema de franquia brasileiro é regido pela lei 8.955 sancionada em dezembro de 1994, ou seja, há quase exatos 23 anos, que especifica exclusivamente a relação contratual entre franqueador e franqueado. Basicamente estabelece como pontos principais:

I. Transferência de know how para o franqueado mediante o pagamento de remuneração ao franqueador;
II. Apresentação por parte do franqueador ao franqueado da Circular de Oferta de Franquia (COF), contendo todas as informações necessárias sobre a marca da franquia e as que regem a relação operacional entre as duas partes;
III. Das sanções sobre o não cumprimento do estabelecido na COF e de informações inverídicas registradas.

Desta forma as regras que definem a relação entre as partes estão incluídas exclusivamente nos limites contratuais. Enquanto que há um projeto de lei tramitando no congresso desde 2015, de autoria do Deputado Federal Alberto Mourão, que revoga a lei atual e dá outras providências, estas que definem mais claramente o equilíbrio da relação entre franqueadores e franqueados, porém segundo o site do Senado se encontra estagnado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desde 13 de fevereiro de 2017.

Tratando-se do código civil, de acordo com o ex-ministro do STJ José Augusto Delgado, em texto publicado no stj.jus.br intitulado A Ética no Novo Código Civil “Uma nova ordem hermenêutica está configurada com a vigência do Código Civil de 2002, com pretensão de conferir ao juiz a atribuição de pautar as suas decisões com uma carga maior de valores éticos tendo o valor da pessoa humana como fonte de todos os valores”. O advogado Joaquim Manhães Moreira, autor do livro A Ética Empresarial no Brasil, em artigo publicado no site migalhas.com diz “O principal dispositivo do novo Código Civil a respeito do assunto é o que estabelece que os contratantes são obrigados a observar a boa-fé tanto na celebração quanto no cumprimento dos contratos (artigo 422). E o código acrescenta também o dever da probidade, assim entendida a honestidade, ou seja, a prática de não lesar a outrem e, em consequência atribuir a cada um o que lhe é devido.”.

Ainda contextualizando podemos incluir a deontologia, um conceito que faz parte da filosofia moral contemporânea, que significa ciência do dever e da obrigação. Recentemente em artigo publicado no site infofranchising.pt com o título Europa tem novo Código Deontológico para o Franchising, informa “O primeiro Código Deontológico Europeu do Franchising foi redigido pela primeira vez em 1972 e revisto em 1992 para refletir a evolução do mercado. Com a nova atualização pretende-se agora estabelecer normas para relações de equidade, transparência e lealdade entre franchisador e franchisado.”. No Brasil, pelo que se percebe, o conceito de deontologia é aplicado dentro das instituições ou empresas preservando seus interesses através da definição de códigos específicos de ética e conduta, porém não ultrapassam estas “paredes” num sentido mais amplo para ter uma interface com as práticas, comportamentos e cultura do mercado.

Será que há consistência suficiente no sistema de franchising brasileiro para garantir que as relações entre franqueadores e franqueados estão salvaguardadas mediante regras e comportamentos éticos? Em termos comparativos podemos afirmar que ainda há muito a evoluir com relação às leis do franchising no Brasil, temos visto diversos casos no país que demonstram a necessidade premente de haver uma grande melhoria e é constatado claramente que a parte mais fragilizada é a do franqueado. As influências tecnológicas e o acesso às informações cada vez mais democráticas e disseminadas de forma rápida têm trazido a necessidade de adequar regras aos novos tempos. Me parece que em nosso país estas necessidades ficam engavetadas e somos conduzidos baseados em disposições do tempo das carroças, enquanto que hoje já falamos em carros voadores. É preciso dar celeridade, enquanto as melhorias não se efetivam fatos e mais fatos ocorrem desgastando a relação primordial para o maior desenvolvimento do sistema, franqueadores e franqueados devem se reestabelecer com regras mais equilibradas.

Considerando que o sistema de franchising brasileiro é regido pelas cláusulas e limites contratuais, cuja escrita é da mão do franqueador, que a lei que dispõe sobre franquia precisa evoluir, que prevalece no país uma cultura do “levar vantagem”, que as regras de condutas estão estabelecidas no interior das instituições, das empresas e não também em sua relação com o ambiente exterior, penso que devemos apertar o botão de alerta, o sistema está necessitando de ter mais consistência. Então desta forma como podemos falar se existe ética no franchising brasileiro? Diversos casos espalhados pelo país, todos comprovados e noticiados, demonstram que precisamos “correr atrás do bonde”. Em um dos meus artigos citei alguns casos que transcrevo a seguir: casos que ocorreram nos últimos anos, a exemplo do Mcdonald’s, que em 2003 foi condenado a pagar R$ 7 milhões a um franqueado, CVC, numa crise que iniciou em 2015 causado pela redução de comissões, o que motivou o fechamento de várias unidades franqueadas e o ingresso na justiça, O Boticário, que recentemente adotou um sistema de venda direta que afetou a margem e a viabilidade do negócio do franqueado, causando prejuízos e diversos processos judiciais nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Pernambuco, Paraíba, Rondônia, Espírito Santo, entre outros, um livro censurado sobre atos de sonegação de um franqueador, de verdadeiro massacre ocasionado a franqueados que estão perdendo seus negócios, famílias que dedicaram décadas sendo devastadas por decisões estratégicas errôneas de franqueadores.

Este impacto é sentido enormemente nas famílias franqueadas, como não há nada que garanta uma transição gradativa de repasses, pois ocorre em sua maioria de forma abrupta, planos de recuperação não são nem opção pela falta de tempo. Imagine então se estas famílias dedicaram boa parte de suas vidas em torno de uma marca de franquia, a ruptura causa grandes prejuízos não só financeiros, mas também psicológicos. Portanto será ético deixar essas pessoas que colocaram seu tempo, dedicação a uma marca franqueada e simplesmente descartá-las? Independente dos motivos que levaram a franqueadora a esta decisão, necessário que o rompimento, o distrato, ocorra de forma gradativa em prazo razoável, até porque não existe nenhuma regulação de qualquer ordem que trate desta questão.

Podemos citar como exemplo um outro país, sempre referência, em artigo publicado no jus.com.br que trata de comparações das práticas e leis nos Estados Unidos com o Brasil destaca-se: “Essas leis (nos Estados Unidos) geralmente obrigam o franqueador a notificar o franqueado, com prazos que variam de 30 a 120 dias para que sanem o problema apontado, antes que qualquer ato de rescisão contratual seja tomado. A existência de leis nesse sentido, indubitavelmente evitam rescisões que coloquem o franqueado, parte hipossuficiente em situação de risco econômico, afinal, antes de qualquer possível rescisão, ele terá a chance de consertar sua relação com o franqueador, em prazo razoável.”. Mesmo que o franqueado não queira mais se manter nesta relação é preciso um prazo respeitável para esta mudança de vida, o que vemos hoje em nosso país é a fila de processos em busca de direitos que foram desconsiderados por práticas que não refletem a boa-fé, que inclusive é palavra constante em nosso código civil.

Quando falamos de ética, estamos nos referindo à moral, caráter, boa-fé, palavras que constam em nossas regras, leis, direitos e quando há um desequilíbrio não temos garantias, pois a balança pesa para o lado mais forte. Então como falar de ética se o que define a relação tem falhas, o que reflete tem suas origens no que está estabelecido, enquanto não formos direto ao ponto em que possamos alterar e principalmente colocar em prática novas leis, regras que nos conduzam, bem como sermos julgados com base e ênfase na relação humana, conforme o que dita o código civil, para que falar de ética? Portanto se existe ética no sistema de franchising brasileiro é regido ainda por regras retrógadas. mas sim podemos ser éticos fazendo prevalecer o caráter acima de tudo, avançar adotando comportamentos que prevaleçam a boa relação e quando as novas leis chegarem apenas será adequada à nova cultura, no entanto precisamos continuar avançando, afinal todos nós queremos um sistema de franchising pujante, que evolua constantemente, seja perene e com a máxima integração entre franqueadores e franqueados. É um sonho possível? Bem, o tempo dirá!!

Referências:
Artigo: https://douglasnunnes.wixsite.com/consultorpalestrante/single-post/2017/08/06/Havia-uma-voz-contida-no-sistema-de-franquia-brasileiro-Agora-finalmente-franqueados-podem-buscar-suas-respostas
Site Senado: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/124525
Site Jus.com.br: https://jus.com.br/artigos/32820/franchising-relations-acts-um-estudo-comparativo-entre-as-normas-reguladores-da-relacao-entre-franqueador-e-franqueado-no-brasil-e-nos-estados-unidos
Site Migalhas: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3214,101048-A+etica+empresarial+e+o+novo+Codigo+Civil
Site infofranchising.pt: http://www.infofranchising.pt/noticias/franchising/europa-novo-codigo-deontologico-franchising/
Publicação STJ: https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=4811564571448192162&hl=pt-BR&as_sdt=0,5&sciodt=0,5

Sobre o autor: Empreendedor, Consultor e Palestrante, atual Diretor de Relações Institucionais – ASBRAF (https://asbraf.com/), formado em Administração, foi franqueado durante 36 anos, 1o. Presidente da Junior Achievement – Paraíba de 2004 a 2006.2, Diretor da Associação dos Lojistas do Shopping Sul de 2005 a 2007, premiado diversas vezes entre eles como melhor franqueado do Nordeste e melhor gestão pelo PPQ – Programa Paraibano da Qualidade.
Site: https://douglasnunnes.wixsite.com/consultorpalestrante

glasnunnes.wixsite.com/consultorpalestrante

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