Franquia pública, privatização através do franchising. Parceria público-privada voltada para a pequena e média empresa.

Tramita, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 219/2015, o qual dispõe sobre o sistema de franquia empresarial – franchising, que revogará a lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994, que, no Senado Federal, obteve o parecer favorável de nº 69, em 30 de maio de 2018, do relator da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, senador Armando Monteiro.

Dentre as boas novas trazidas pelo projeto de lei em causa – paralelamente à incorporação das conquistas realizadas pela jurisprudência pelas boas práticas empresariais e pelas sábias lições de nossos doutrinadores –, figura, indiscutivelmente, a maior delas, qual seja, a incorporação da Franquia Pública, feita, aliás, por nossa sugestão ao tempo em que funcionávamos como um dos membros do Fórum da Franquia Empresarial criado no âmbito do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, igualmente por nossa sugestão ao então Ministro daquela pasta, senador Francisco Dornelles.

A consagração da figura da Franquia Pública, em nosso ordenamento jurídico, possibilitará, dentre outros fatores, que possamos utilizá-la como um belo e sábio instrumento de privatização da atividade pública, através do franchising, com várias vantagens sobre a privatização pura e simples de um ente público, como veremos a seguir.

PRIVATIZAÇÃO ATRAVÉS DO FRANCHISING

Quem quer que queira o apoio da opinião pública – principalmente os Governos em seus planos de mudanças estruturais – terá que formar e ter ao seu lado uma corrente de opinião que lhe seja favorável, junto à classe média, ou não chegará a lugar nenhum.

Ora, é da essência da franquia empresarial a capilaridade, isto é, a distribuição de investimentos e operações comerciais ou de serviços em um amplo espectro do território, valendo-se de empresas já existentes ou da criação de outras de micro, pequeno e médio porte. A classe média empresarial está constituída a partir de um contingente formado por estudantes, aposentados, donas de casa, profissionais liberais e outros que resolveram ingressar na senda dos negócios.

Este raciocínio nos conduz à conclusão lógica de que a privatização, para disseminação de seu conceito básico – afastamento, em definitivo, do Estado e de suas funções não estruturais (que nada têm a ver com seu papel institucional) – no qual repousa seu sucesso, depende, substancialmente, não só da transmissão de conceitos de fácil assimilação, como da operacionalidade de simples manejo a que a franquia necessariamente nos conduz, como, aliás, é de sua própria essência.

Além do mais, a franquia pode tornar-se, claramente, um instrumento hábil de governo para atingir, além das metas meramente econômicas, os objetivos sociais de altíssimos dividendos políticos, como, por exemplo: redução da dependência de novos investimentos estrangeiros, redução do controle da economia por investidores estrangeiros já existentes e criação de novas oportunidades para pequenas e médias empresas e empresários em potencial.

Sem contar com um outro dividendo, paradoxal como possa parecer, qual seja, o de que, privatizado em seu âmago, o Brasil demonstraria, na prática, sua intenção governamental de acolher capitais privados, venham de onde vierem.

Depois de firmar-se como um dos sistemasmais eficientes de expansão de novos negócios na área comercial e de serviços em todo o mundo, o franchising está sendo adotado como alternativa prática, rápida e barata para promover a privatização de economias outrora estatizadas, como, por exemplo, as do Leste Europeu.

Em nossa opinião, não devemos esperar que os planos de privatização do governo sejam postos em execução para só depois fazer a opção pelo sistema de franchising, mas, ao contrário, torná-los uma realidade a partir da conjugação das duas iniciativas: privatização e franchising, ou, melhor dizendo, privatização através do franchising, para que sejam bem-sucedidos, pois a própria franquia já se constitui na mobilização da opinião pública.

Deve-se começar, desde já, buscando na sua operacionalização, através do franchising, a formação de uma corrente de opinião pública a ela favorável, mesmo porque, dentre outras coisas, a franquia é a maneira mais rápida e eficiente de instaurar-se uma rede de pequenas e médias empresas capaz de fortalecer a economia de qualquer região. Há, pois, um fato amplo e infelizmente ainda ignorado – porque não devidamente divulgado – qual seja, o de que a franquia pode acelerar, tremendamente, a transformação de setor estatal em mercado privado, em uma economia na qual a privatização seja entendida como parte da política nacional, como um dos objetivos prioritários a serem atingidos.

Em verdade, em qualquer país, a privatização, por absoluta falta de comunicação, vira um monstro de sete cabeças na mente dos funcionários públicos temerosos de perder suas garantias e privilégios que não estão, na maioria dos casos, na razão direta de um bom salário, pelo contrário.

A afirmação da franquia como solução para a qualidade dos serviços a serem prestados e, principalmente, para a realização profissional e financeira de quem os presta (vide privatização dos serviços dos Correios no próprio Brasil), através da Franquia Postal, Lei nº. 11.668, de 02 de maio de 2008, mostraria aos funcionários e à opinião pública, que a execução do projeto de privatização é desejável e um bem para todos.

Animados pelas recentes experiências de países industrializados – como a Inglaterra, que franqueou à iniciativa privada os postos de atendimentos do Correios e Telégrafos -, organismos governamentais de países do Leste Europeu, como a Polônia, Hungria e Checoslováquia encomendaram a especialistas internacionais em franchising estudos para a privatização por meio de franquia de grande parte de sua economia.

Nós, com a experiência em franchising que já possuímos no Brasil, junto ao setor privado, muito poderíamos contribuir para acelerar o processo de privatização de nossas estatais, pela ponta de suas atividades, mormente as empresas prestadoras de serviços, como as distribuidoras de energia elétrica, as responsáveis pelos serviços telefônicos, pela administração de aeroportos, de ferrovias, de terminais rodoviários e mesmo de serviços sociais, como os serviços de Assistência ao Cidadão do Estado da Bahia e os do Poupa Tempo de São Paulo, já amplamente divulgados, inclusive na obra do signatário intitulada “Franquia Público-Social –A franquia cidadã dos Entes Públicos” (Editora Lúmen Júris, 2008).

Um desses especialistas, se não o maior deles, Philip Zeidman, afirmou, enfaticamente, do alto de seus 20 anos em franchising (últimos dos quais em franchising internacional), como consultor da Europa Central e do Leste, Austrália, México e Argentina que: “Existe uma ligação próxima entre franquia e privatização. A franquia pode ser um dos mecanismos apropriados para transferir propriedades dos Estados para o setor privado” sem que estes percam o controle delas; acrescentamo-nos.

Ao atuarem também na iniciativa privada, as companhias estatais brasileiras passariam a produzir bens e serviços com a diversidade e a qualidade exigidas pelos consumidores nacionais locais que já dispõem de uma arma legal, para a defesa e a proteção de seus interesses, ou seja, o seu próprio Código de Defesa, podendo, assim, passar a exigir, inclusive das estatais, bons serviços e melhores produtos.

Isto sem falar no afastamento definitivo de irregularidades provenientes da corrupção e de outras práticas menos recomendáveis de enriquecimento, sem causa, eis que um dos apanágios do franchising é a transparência, através da abertura total e sincera dos dados empresariais, fundamentada no princípio do full and fair disclosure. A palavra de ordem é transparência para que quanto menos visibilidade houver, maior será ineficiência e maior a corrupção.

Passariam, além do mais, a proporcionar aos seus funcionários um novo espectro de oportunidades de um trabalho motivador e altamente compensatório, em termos de ganhos financeiros.

Em verdade, gigantes industriais não são considerados bons candidatos ao sistema de franquia. O mesmo não se poderia dizer, porém, de certas categorias de estatais, que poderiam ingressar de forma promissora no sistema de franquias, como é, precipuamente, o caso das empresas de serviços.

Vide os exemplos dos correios na Inglaterra e já, agora, até no próprio Brasil, como o dissemos, de companhias aéreas, como a Japan Airlines, e toda a rede ferroviária daquele país, e, por fim, das empresas fornecedoras de energia elétrica da Tailândia e do Chile.

A expansão de qualquer atividade através do franchising pressupõe a existência de um trinômio, no qual A é a empresa franqueadora; B é um homem de negócios independente, que assume seus próprios riscos; e C o público consumidor.

A expansão tradicional da empresa, seja essa estatal, seja privada, conta, também, com o trinômio A, B e C, só que A é a empresa central; B é o gerente da filial, assalariado e geralmente desmotivado; e C o consumidor final.

Está concretamente provado ‘que a expansão através do franchising de qualquer atividade empresarial promovida, quer por empresas privadas, quer públicas, se faz mais rapidamente, a custos bem menores e com absoluto sucesso devido à uma de suas características principais: “o olho do dono (“B”) engordando o boi”, segundo a sabedoria popular. Enquanto isto, “B”, que no trinômio tradicional seria o dono do negócio, é o funcionário assalariado nas empresas estatais, raramente comissionado, sem as motivações para o trabalho, o lucro, a realização pessoal e financeira sem limites, que só a iniciativa privada proporciona.

Se transformadas em franqueadoras pela ponta de suas atividades, as grandes empresas estatais brasileiras estariam menos infensas a cair, por exemplo, em mãos de capitais estrangeiros, transformarem-se em cartéis ou monopólios, além de proporcionarem maior flexibilidade operacional, suficiente para reestruturarem-se em unidades individuais separadas e viáveis, porque dinâmicas, transformadas em pequenas empresas, sem perda do seu controle central, o que apresenta-se como sua principal característica e uma vantagem sem precedentes.

Até mesmo os Estados Unidos da América do Norte, que são uma sociedade na qual o Estado sempre foi mantido longe da atividade produtiva, teve seu surto de privatizações, não necessariamente, porém, através do franchising e, talvez por isso mesmo, não tenham se saído satisfatoriamente.

A própria rede de distribuição de propriedade do Estado dirigida por um governo centralizador, geralmente despótico, exercida por um diretor nacional, com filiais em várias partes do Brasil e gerenciadas por funcionários governamentais locais, desmotivados e mal remunerados, seria transformada em uma rede de franqueados, constituídos até por ex-empregados, ex-gerentes e/ou ex-diretores que, doravante, passariam a gerenciar suas próprias unidades individuais, investindo suas reservas de dinheiro, suas indenizações trabalhistas e recebendo assistência financeira e jurídica para pagar o restante do preço de sua nova condição de franqueado, como já ocorreu recentemente no Brasil com a filial de uma empresa multinacional no ramo de seguros que, outrora, fora estatal em seu país de origem.

O conceito internacional de franchising é mais um daqueles subordinados a um fato político econômico e social de nível mundial, inexorável, qual seja, o de globalização: a privatização, o marketing, as finanças públicas e privadas, as políticas fiscais e tributárias não resistem mais a uma discussão aprisionada entre as fronteiras de um mesmo país.

Quanto ao conceito de privatização, em particular, pesquisas as mais rudimentares provaram a sua praticabilidade em países dos mais diversos continentes e de características econômicas e políticas as mais díspares e diametralmente opostas, por ter-se adaptado à cultura e a economia dos países nos quais foi implantada.

Assim, também, a franquia no Brasil, como instrumento versátil de privatização acelerada, auto sustentada e sedimentada em sólidos sentimentos de apoio da opinião pública, deve levar em consideração as tradições empresariais econômicas nacionais, em que as estatais detêm 60% ou mais de sua economia, pouco restando para as empresas privadas nacionais ou multinacionais.

Finalizando, ousamos vaticinar, sem medo de errar, que a franquia no Brasil poderá ampliar, sobremaneira, as oportunidades econômicas e o potencial de privatização de maneira mais profunda, completa e sutil do que seria possível alcançar com o emprego de qualquer outro instrumento ou veículo.

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